
Há mais de uma dúzia de anos que costumo passar parte da manhã de domingo no "Café Repuxo", na Praça Gil Vicente.
Tudo começou com uma entrevista que realizei naquele espaço a Henrique Mota, autor dos excelentes volumes biográficos sobre os "Desportistas Almadenses", para o "Record".
Desta conversa viria a nascer uma grande amizade com este saudoso amigo, que perdurou até à sua partida, para o outro lado do mundo.
Acabei por conhecer a dúzia de homens ligados à cultura almadense, que frequentavam o café, em ambiente tertuliano, onde aprendi tantas coisas sobre o concelho de Almada e as suas gentes...
Embora grande parte dos convivas tenham mudado de ares, continuo a gostar de passar por ali, beber um café, ler o jornal e conversar, sempre que é possível.
Um dos últimos resistentes é Victor Aparício, o verdadeiro escritor deste café, quase sempre entretido a encher de palavras, os seus pequenos cadernos. Muitas vezes refugia-se no silêncio, tendo apenas como companhia os cigarros, os seus grandes companheiros de jornada, além da caneta e dos seus heróis de papel, claro.
Ele já me confessou, mais que uma vez, a sua preocupação com a lei que aí vem, porque não lhe apetece deixar estes "amigos" à porta, nem tão pouco, abandonar este espaço...
Eu não fumo - nem nunca fumei -, mas não concebo um café sem os hábitos de sempre, ou seja, as conversas animadas à mesa, a leitura de jornais, e claro, as nuvens de fumo, que circulam de um lado para o outro.
O fumador da fotografia é o realizador John Huston, porque também não consigo imaginar o chamado "cinemá noire" sem a presença do fumo dos cigarros, companheiros dilectos de tantos heróis solitários da sétima arte...