Os filmes têm essa coisa boa de nos fazerem pensar. E pensamos mais quando estamos na presença do inesperado, da estranheza, da diferença...
O "Passar a Ferro", de Ana Pissarra e Maria Emília Tavares, através da sua projecção dupla, não nos conseguiu transmitir apenas que o ir e o voltar de cacilheiro, são duas viagens quase antagónicas. Foi mais longe.
No fim da projecção foi bom trocar ideias com a Ana e a Emília, assim como assistir a várias conversas cruzadas, que embora não tornassem o diálogo muito compreensível, colocaram toda aquela gente a conversar, e pior que isso, a opinar, sobre as travessias no Tejo de cacilheiro e as histórias das suas vidas.
Neste mundo de perdas e de ganhos, falámos muito mais do que perdemos do que das nossas vitórias, até por haver gente presente que já viajava de cacilheiro nos anos cinquenta...
Mesmo eu que só comecei a viajar diariamente nestas barcas na segunda metade dos anos oitenta, sinto muitas diferenças.
Perdeu-se sobretudo a familiaridade e a camaradagem tão presentes ainda nesse tempo, os amigos que não se importavam de esperar o barco seguinte, só para se sentirem bem acompanhados, trocar uns dedos de conversa, contar uma ou outra anedota, porque sorrir ao fim de um dia de trabalho, nem sempre fácil, era um bálsamo, sentindo que não se perdera tudo, que era possível agarrar alguma alegria no regresso a casa.
É nestes pequenas coisas que percebemos o quanto a nossa sociedade mudou nos dez anos de reinado de Cavaco, com a entrada na Europa dos "ricos". Perdemos entre outras coisas a alegria dos "pobres"...
E assim se explica que nas viagens de hoje, o "passar a ferro", a rotina, a melancolia e a solidão (quebradas episodicamente por algum "louco" que gosta de espalhar alegria, sem ter medo do ridículo...) estão muito mais presentes que a espontaneidade e o calor humano dos tempos idos.
A fuga à esta quase tristeza, é encontrada na beleza do Tejo que espreita em todas as janelas, num rosto que nos prende o olhar por mais de um segundo ou na leitura de um jornal ou livro...
E como são viagens de apenas dez minutos, nem sequer têm tempo de se tornar pesadelo...
E eu só tenho de agradecer esta "viagem" à Ana e Emília.
2 comentários:
Fora as travessias feitas em criança quando ia de férias para Lisboa para casa dum tio e era obrigatório esse passeio até à outra banda, as minha idas de cá para lá fizeram-se no final dos anos sessenta quando, ainda solteira, fiquei colocada em Setúbal.
Depois de casar fiquei a viver em Almada...Às vezes interrogo-me como teria sido a minha vida se continuasse por aí...:-))
Abraço
pois, como seria, Rosa.
provavelmente diferente.
abraço
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