sexta-feira, setembro 11, 2020

(Carta para um amigo que só pode morar no céu e que fez ontem cem anos)

«Nós que estamos cá em baixo, não sabemos rigorosamente nada do que se passa aí em cima. Só os frequentadores de templos é que fingem saber mais que o comum dos mortais e até falam no paraíso e no inferno, perante a nossa indiferença e cepticismo.
Se por acaso, tiveste a oportunidade de espreitar, viste um grupo de gente - mais do que é aconselhável nesta época, embora estivéssemos todos de máscara -, que te quis homenagear neste teu dia. 
Reconheceste os teus três queridos filhos, netos, bisnetos (que já vieram ao mundo depois de partires...) e mais alguns familiares. Depois olhaste com satisfação para alguns amigos e com curiosidade para os conhecidos e desconhecidos que também quiseram estar contigo.


Foi dado alguma solenidade a esta homenagem, pois além das flores colocadas junto à placa com o teu nome, houve as palavras habituais de circunstância, ditas por autarcas e associativistas, que à excepção do teu filho Henrique, quase só ouviram falar de ti... e talvez tenham folheado algum dos teus livros, de manhã, para escolherem uma ou outra palavra bonita que te identificasse.
Não sei o que disseram porque o vento foi levando as palavras para toda a parte e só mesmo quem estivesse perto dos "bem falantes" é que te poderia contar o que foi dito.
No meio destes discursos, aqueles que te conheceram bem (éramos mais de meía-dúzia...), olharam uma ou outra vez para o céu, à procura de um sinal de ti. Sabem que se existe mesmo um lugar paradisíaco no além, tu estás lá, porque és uma das melhores pessoas  com quem partilhámos amizade, bom, digno e integro, em todas as horas.»

(Fotografias de Luís Eme - Almada)

Sem comentários: